quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Vidinha



Sentada, olhou a rua e suspirou.
Quem passava logo era cativado por aquele silêncio. Um olhar que ninguém tinha certeza se era atento ou displicente.
Houve um momento em que ela se levantou e caminhou até bem perto da faixa de pedestres, perto dos carros e motos que se apressavam. Por isso, houve uma tensão: todos naquele instante, acompanhavam seus passos com medo de que sua inocência instintiva resultasse em tragédia. Afinal, em São Paulo, todo o mundo engole calado a poluição e o descaso;  os presságios e os atropelamentos.
Víamos os carros ignorando o sinal e alguém chegou a articular um “não!”. Foi quando uma voz masculina discretamente chamou:
– Vidinha! Aqui...
Vidinha ergueu as orelhas e voltou-se para o homem da calçada. O olhar dele tinha o mesmo enigma. Bastou fazer um gesto e ela retornou à posição inicial. Sentados, os dois olhavam a rua. Calados, suspiravam  ignorados por ela.

R. B. 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Acaso



Entre milhões de passantes, poucos erguem a cabeça. Há quem erga e, ainda assim, continue olhando para o chão. Como uma estrela cadente, um rosto familiar foi visto entre muitos na pressa de São Paulo. Era um retrato em moldura alterada: as frontes grisalhas denotavam mais tempo do que se havia notado. Mais estranho que isso foi perceber aqueles olhos sem o brilho da infância, sem o sorriso entusiasmado que marcou o rosto no álbum escolar.
 O que fazer? Num instante contive o impulso de chamá-lo pelo nome. E se ele não se lembrasse? E se aquele ar triste revelasse um problema sem jeito? Ele continuou andando.
E se... ao contrário, ele se lembrasse... e sorrisse!
E se ele reparasse que outras frontes também se acinzentaram no tempo; se percebesse nos meus olhos um vazio? Talvez qualquer pergunta banal colocasse meu mundo a perder.
Segundos se passaram. A estrela se foi sem sequer um desejo. Voltou a ser uma lembrança.  Um sorriso engolido a seco, apagado, perdido no meio da multidão.