A Marcos Suguiura,
Não me faltam conflitos nas noites de terça,
principalmente, por estas noites premeditarem meu encontro com o Marcos. Algo
me diz que todos os grilos são primos nas confusões de uma terça. Acresce uma
briga com o chefe, a mordida do imposto e o desgosto de um “ex”. Cansaço,
memória, trabalho... Por causa do ritmo atordoado desde o final de semana,
geralmente chego exausta e mal tenho a lembrança de como abri a porta ou de
como acendi as luzes da sala. Talvez eu me lembre um pouco da água do banho...
A esponja e a espuma com cheiro do sabonete novo. Tudo é pressa de terminar o
dia... – fechar os olhos e estar na minha cama, quieta. Por isso, um dia
desses, mal sequei os cabelos. Apenas apaguei tudo e deitei.
Quem não conhece o turbilhão ao travesseiro
depois de um dia cheio e confuso assim? A gente quase levita – ou afunda! – na
cama querendo morrer de dormir. Pois é... mas eu não durmo. Tenho uma insônia
monstruosa que me obriga sempre a tomar um comprimidinho azul antes de apagar a
luz. Aconteceu então que, nesta noite, um tempo depois da minha dose de céu e
exatamente no instante em que meus olhos quase se renderiam ao sono, ouvi um
silêncio estranho. Um silêncio distinto daquele no qual eu e minhas plantinhas
encontramos repouso. Havia um silêncio de um outro – e foi um susto, ouvi-lo
pensar.
Abri os olhos e vi o quarto em escuro azulado. É
claro que meu medo infantil vigiava a porta do guarda-roupa. Fechada. Estou
louca? Não. Não há nada ali... porém lá se foi meu descanso. Assim, tornei a
pensar no Marcos e na sessão de amanhã. “Mais uma vez ele vai ouvir minhas
lamúrias e mais uma vez vou pensar que nem eu mesma tenho tanta paciência
comigo”. De qualquer forma, chegar à terapia com esse papo de “senti que tinha
alguém no meu quarto” já será demais. Pensei comigo: “pára com isso,
Rita!”.
Mas que susto! Ouvi de novo! Dessa vez, um quase
suspiro... alguém respira embaixo da minha cama. Eu sei.
Apenas para conferir – e por medo! – contenho
meu próprio ar. Agora é certeza... Há alguém aqui. Que droga! Tenho muito medo
– medo físico em suor frio. Até meu coração confuso entre o remédio e o susto,
tropeça cambaleante dentro de mim. Devagar tomo o lençol e cubro a
cabeça como fazia quando criança. O grande problema é que hoje já sei – eu não
o vejo, mas o outro pode me ver.
Sinto inclusive seu susto. Meu medo denunciou
que o percebo.
Em pedra mal respiro. O certo é que de novo
quase espero morrer.
Um barulhinho, um estalo, estronda nosso mal
estar. Quem estaria ali...? A hipótese é tão absurda que chego a renegar a
idéia de um intruso. Como entraria? Argumento comigo... “deve ser um
bichinho”... Só uma barata vinda com o cheiro da chuva... Até um rato – com
todo o medo e nojo do mundo – eu suporto pensar... mas é grande demais a
presença que escuto através do colchão. Percebo um ajeitar-se lentamente. Um
estralinho de articulações. Afinal, a cama é baixa... e não sei como essa
pessoa conseguiu se encaixar.
Será um ladrão? Pela fresta do lençol tento
espiar minha escrivaninha... o computador esta lá. A carteira parece no
lugar... a gaveta onde guardo meus documentos está impedida por uma pilha de
livros sobre a cadeira e, portanto, parece intacta. Sim, meus olhos pesam,
pesam apesar da tensão... Mas estão acostumados ao
escuro.
Não consigo sequer me mexer. Não tenho
coragem nem força suficiente para falar. Até meu pensamento tem medo de
sussurrar e ser ouvido. Nunca me vi tão impotente. Digamos que até então o caso
me amedrontava, mas era uma simples hipótese delirante. Eu afirmava e duvidava
de minha própria percepção. De fato eu temia uma violência, um susto, um
ataque... mas também ignorava em que tipo de vulnerabilidade eu estava exposta
ali. Foi quando me lembrei do caderno - uma espécie de diário que escrevo toda
noite e deixo no chão, ao lado da cama!
Nessa hora sim, um desespero. A necessidade
intensa de esticar o braço e tomá-lo de volta. Rapidamente. Se meu corpo dopado
não se mexia, minha alma agitada e sonolenta sabia estar escrita naquele
caderno.
O delírio do azul me rendia... cheguei a ouvir
na minha mente uma voz conhecida... O Marcos dizia “calma. Tudo vai ficar bem.”
Incrível como até em sonho a presença desse cara me conforta. Depois de tudo o
que passei, ele é o único em quem confio. Vocês não sabem como ele é sensível!
Acreditam que toda quarta pela manhã ele quase adivinha o que se passa em mim?!
Não sei como ele faz isso. Parece que lê minha alma... Não sei...
Só sei que naquela noite de terça, apesar de uma
luz estranha sob a cama... um brilho que não parecia vir da janela... apesar de
tudo, com meu remedinho, eu dormi.
São Paulo, 09 de setembro de 2008.
R. B.
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