Ela no sofá, ele no portão.
Ele entra, vai até a cozinha, ela se
levanta e vai varrer o quintal.
O silêncio continua há anos, desde que o
cão morreu. O abacateiro já não
existe. Nem a figueira, nem o jardim,
nem o pé de romã. Restam sombras e umidades
nas paredes. Apenas algumas hortênsias teimam em florescer escandalosamente em
frente à porta nos dias incertos de abril.
Ninguém esperava, mas aconteceu... entre o barulho da panela de pressão e o olhar fixo em um não lugar, o tempo passou. Quando voltou
ao mundo, o susto: lá estava ele, parado, no mesmo cômodo, com uma flor na mão.
A camisa puída, rasgada e suja, dava-lhe o ar de alguém que foi abandonado.
Desligou o fogão. Terminou de secar as mãos
no pano de prato, mas o olhar não se sustentou em nenhum canto da casa. Havia
desaprendido a ser notada.
Passos vagarosos, pesados de tempo, vieram
em sua direção. A mão grossa, rugosa, ajeitou a flor atrás da sua orelha sem
dizer palavra. Havia música e mistério entre os corações cansados, algo que
esboçou uma dança vigorosa e lenta entre um cômodo e outro.
Quanto tempo? Uma eternidade? Talvez
duas...
Depois as mãos se soltaram, ele foi para
janela e ela colheu hortênsias para pôr num vaso.
R.B.
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