Às vezes um som desperta uma espécie de silêncio.
... ... ... ... ...
Música para pensar em nós
Música para desatar os nós
... ... ... ... ...
Com ou sem dó.
Um espaço por onde escapam ideias, pensamentos, poemas, crônicas, contos...
Enfim, aspirações e literatura.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
sexta-feira, 3 de maio de 2013
A um jovem poeta
o poeta quase homônimo
vende sonhos
sinais
vende sonhos
sinais
semeia versos
rega-os
rega-os
nem cobra
sorri
assente
e vai
assente
e vai
na saída
sutil
agradece
"a minha paz"
sutil
agradece
"a minha paz"
nem sabe o menino:
refleti o seu haikai.
refleti o seu haikai.
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Valsinha
Ela no sofá, ele no portão.
Ele entra, vai até a cozinha, ela se
levanta e vai varrer o quintal.
O silêncio continua há anos, desde que o
cão morreu. O abacateiro já não
existe. Nem a figueira, nem o jardim,
nem o pé de romã. Restam sombras e umidades
nas paredes. Apenas algumas hortênsias teimam em florescer escandalosamente em
frente à porta nos dias incertos de abril.
Ninguém esperava, mas aconteceu... entre o barulho da panela de pressão e o olhar fixo em um não lugar, o tempo passou. Quando voltou
ao mundo, o susto: lá estava ele, parado, no mesmo cômodo, com uma flor na mão.
A camisa puída, rasgada e suja, dava-lhe o ar de alguém que foi abandonado.
Desligou o fogão. Terminou de secar as mãos
no pano de prato, mas o olhar não se sustentou em nenhum canto da casa. Havia
desaprendido a ser notada.
Passos vagarosos, pesados de tempo, vieram
em sua direção. A mão grossa, rugosa, ajeitou a flor atrás da sua orelha sem
dizer palavra. Havia música e mistério entre os corações cansados, algo que
esboçou uma dança vigorosa e lenta entre um cômodo e outro.
Quanto tempo? Uma eternidade? Talvez
duas...
Depois as mãos se soltaram, ele foi para
janela e ela colheu hortênsias para pôr num vaso.
R.B.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Evidências
A Marcos Suguiura,
Não me faltam conflitos nas noites de terça,
principalmente, por estas noites premeditarem meu encontro com o Marcos. Algo
me diz que todos os grilos são primos nas confusões de uma terça. Acresce uma
briga com o chefe, a mordida do imposto e o desgosto de um “ex”. Cansaço,
memória, trabalho... Por causa do ritmo atordoado desde o final de semana,
geralmente chego exausta e mal tenho a lembrança de como abri a porta ou de
como acendi as luzes da sala. Talvez eu me lembre um pouco da água do banho...
A esponja e a espuma com cheiro do sabonete novo. Tudo é pressa de terminar o
dia... – fechar os olhos e estar na minha cama, quieta. Por isso, um dia
desses, mal sequei os cabelos. Apenas apaguei tudo e deitei.
Quem não conhece o turbilhão ao travesseiro
depois de um dia cheio e confuso assim? A gente quase levita – ou afunda! – na
cama querendo morrer de dormir. Pois é... mas eu não durmo. Tenho uma insônia
monstruosa que me obriga sempre a tomar um comprimidinho azul antes de apagar a
luz. Aconteceu então que, nesta noite, um tempo depois da minha dose de céu e
exatamente no instante em que meus olhos quase se renderiam ao sono, ouvi um
silêncio estranho. Um silêncio distinto daquele no qual eu e minhas plantinhas
encontramos repouso. Havia um silêncio de um outro – e foi um susto, ouvi-lo
pensar.
Abri os olhos e vi o quarto em escuro azulado. É
claro que meu medo infantil vigiava a porta do guarda-roupa. Fechada. Estou
louca? Não. Não há nada ali... porém lá se foi meu descanso. Assim, tornei a
pensar no Marcos e na sessão de amanhã. “Mais uma vez ele vai ouvir minhas
lamúrias e mais uma vez vou pensar que nem eu mesma tenho tanta paciência
comigo”. De qualquer forma, chegar à terapia com esse papo de “senti que tinha
alguém no meu quarto” já será demais. Pensei comigo: “pára com isso,
Rita!”.
Mas que susto! Ouvi de novo! Dessa vez, um quase
suspiro... alguém respira embaixo da minha cama. Eu sei.
Apenas para conferir – e por medo! – contenho
meu próprio ar. Agora é certeza... Há alguém aqui. Que droga! Tenho muito medo
– medo físico em suor frio. Até meu coração confuso entre o remédio e o susto,
tropeça cambaleante dentro de mim. Devagar tomo o lençol e cubro a
cabeça como fazia quando criança. O grande problema é que hoje já sei – eu não
o vejo, mas o outro pode me ver.
Sinto inclusive seu susto. Meu medo denunciou
que o percebo.
Em pedra mal respiro. O certo é que de novo
quase espero morrer.
Um barulhinho, um estalo, estronda nosso mal
estar. Quem estaria ali...? A hipótese é tão absurda que chego a renegar a
idéia de um intruso. Como entraria? Argumento comigo... “deve ser um
bichinho”... Só uma barata vinda com o cheiro da chuva... Até um rato – com
todo o medo e nojo do mundo – eu suporto pensar... mas é grande demais a
presença que escuto através do colchão. Percebo um ajeitar-se lentamente. Um
estralinho de articulações. Afinal, a cama é baixa... e não sei como essa
pessoa conseguiu se encaixar.
Será um ladrão? Pela fresta do lençol tento
espiar minha escrivaninha... o computador esta lá. A carteira parece no
lugar... a gaveta onde guardo meus documentos está impedida por uma pilha de
livros sobre a cadeira e, portanto, parece intacta. Sim, meus olhos pesam,
pesam apesar da tensão... Mas estão acostumados ao
escuro.
Não consigo sequer me mexer. Não tenho
coragem nem força suficiente para falar. Até meu pensamento tem medo de
sussurrar e ser ouvido. Nunca me vi tão impotente. Digamos que até então o caso
me amedrontava, mas era uma simples hipótese delirante. Eu afirmava e duvidava
de minha própria percepção. De fato eu temia uma violência, um susto, um
ataque... mas também ignorava em que tipo de vulnerabilidade eu estava exposta
ali. Foi quando me lembrei do caderno - uma espécie de diário que escrevo toda
noite e deixo no chão, ao lado da cama!
Nessa hora sim, um desespero. A necessidade
intensa de esticar o braço e tomá-lo de volta. Rapidamente. Se meu corpo dopado
não se mexia, minha alma agitada e sonolenta sabia estar escrita naquele
caderno.
O delírio do azul me rendia... cheguei a ouvir
na minha mente uma voz conhecida... O Marcos dizia “calma. Tudo vai ficar bem.”
Incrível como até em sonho a presença desse cara me conforta. Depois de tudo o
que passei, ele é o único em quem confio. Vocês não sabem como ele é sensível!
Acreditam que toda quarta pela manhã ele quase adivinha o que se passa em mim?!
Não sei como ele faz isso. Parece que lê minha alma... Não sei...
Só sei que naquela noite de terça, apesar de uma
luz estranha sob a cama... um brilho que não parecia vir da janela... apesar de
tudo, com meu remedinho, eu dormi.
São Paulo, 09 de setembro de 2008.
R. B.
sexta-feira, 8 de março de 2013
um passo
um passo
a Felipe Macedo Caldas
até a porta
espaço vago
entre estar presente
e ser lembrança
sorriso
e lágrima
eterno abraço
cartão café
hora extra
em sonora insônia
e desabafo
um passo
na praia
aceno
e sinto o chão
romper-se líquido
enorme e surdo
cansaço
o mar aumenta
inunda o porto
aperta o peito
alinha o olhar
além
R. B., 08/03/2013
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
Razão
José da Silva desde criança aprendeu com os pais que estudar seria sua
única chance de ascensão social. Por isso, dedicou sua juventude aos estudos,
em sacrifícios e privações, até fazer parte da ínfima parcela de 5% da
população mundial com diploma universitário.
Inteligente, sensível e ciente dos valores envolvidos em tal escolha,
ingressou em uma carreira da área de Ciências Humanas, com ênfase em Educação –
onde os salários costumam ser em média 61% menores do que os de outros
campos de alta responsabilidade.
Seu cotidiano era preenchido por 44 horas semanais registradas em
carteira, embora pelo menos outras 18 horas fossem desperdiçadas em
engarrafamentos entre sua casa e o trabalho.
Anos de esforço não renderam sequer as condições necessárias para um
modesto financiamento imobiliário, de modo que continuava a se ver obrigado a
consumir 39% de sua renda mensal no aluguel de um cubículo barulhento numa área
degradada da cidade.
Um dia, um colega de trabalho que vivia um tormento similar quebrou a
cabeça em cálculos e garantiu ter identificado 53 combinações que, segundo ele,
tinham maior probabilidade de serem sorteadas na loteria. Porém, mesmo juntando
trocos e moedas, os dois tinham dinheiro somente para apostar em seis números:
05, 18, 39, 44, 53 e 61.
Era dia 13, mas, na fila da lotérica, José não podia se dar ao luxo de
superstições. Estudado, trabalhador e racional, concluiu que precisava tentar.
Seria a última trincheira antes de partir para o crime. A lógica não lhe dava
outra opção.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
Vidinha
Sentada, olhou a rua e suspirou.
Quem passava logo era cativado por aquele silêncio. Um olhar que
ninguém tinha certeza se era atento ou displicente.
Houve um momento em que ela se levantou e caminhou até bem perto
da faixa de pedestres, perto dos carros e motos que se apressavam. Por isso,
houve uma tensão: todos naquele instante, acompanhavam seus passos com medo de
que sua inocência instintiva resultasse em tragédia. Afinal, em São Paulo, todo
o mundo engole calado a poluição e o descaso; os presságios e os
atropelamentos.
Víamos os carros ignorando o sinal e alguém chegou a articular um
“não!”. Foi quando uma voz masculina discretamente chamou:
– Vidinha! Aqui...
Vidinha ergueu as orelhas e voltou-se para o homem da calçada. O
olhar dele tinha o mesmo enigma. Bastou fazer um gesto e ela retornou à posição
inicial. Sentados, os dois olhavam a rua. Calados, suspiravam – ignorados
por ela.
R. B.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Acaso
Entre milhões de passantes, poucos erguem a cabeça. Há quem erga e,
ainda assim, continue olhando para o chão. Como uma estrela cadente, um rosto
familiar foi visto entre muitos na pressa de São Paulo. Era um retrato em
moldura alterada: as frontes grisalhas denotavam mais tempo do que se havia
notado. Mais estranho que isso foi perceber aqueles olhos sem o brilho da
infância, sem o sorriso entusiasmado que marcou o rosto no álbum escolar.
E se... ao contrário, ele se lembrasse... e sorrisse!
E se ele reparasse que outras frontes também se acinzentaram no tempo;
se percebesse nos meus olhos um vazio? Talvez qualquer pergunta banal colocasse
meu mundo a perder.
Segundos se passaram. A estrela se foi sem sequer um desejo. Voltou a
ser uma lembrança. Um sorriso engolido a seco, apagado, perdido no meio
da multidão.
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